“Parto sem complexos para os exercícios sugeridos: o autorretrato com a mão “errada” foi ganhando terreno face ao desenho e modelação livres, porque no primeiro tinha uma “encomenda” concreta, que consistia em obter uma imagem fiel do que era representando, apesar das dificuldades impostas. E o que era representado era eu mesmo, mas curiosamente conseguia fazê-lo sem grande apego emocional, apesar de recorrer constantemente à minha imagem: não era este o facto que tornava o exercício pessoal, mas sim o facto de me estar a libertar de um “vício” físico (o uso da mão direita) que induzia a um “vício” mental (um “tipo” de desenho que se espera obter quando se usam as ferramentas corretas). Olhava-me ao espelho (que levava sempre comigo) sem pudores enquanto tentava que a minha mão esquerda, apesar da sua inépcia, conseguisse representar-me com fidelidade. Ou seja, não procurava que as linhas fossem “como devem ser”, mas sim fazer um retrato que me identificasse: que a verdade não estivesse numa linha direita sem tremuras, mas no reconhecimento no desenho dos sinais que tornam a minha cara minha e de mais ninguém. Uma desconstrução da formação tida anteriormente (com propósitos diferentes) que era similar a uma formação que se inicia do zero (mais difícil, talvez?).
Curiosamente, a Desenho ainda me debatia com as dificuldades que Projeto parecia combater: as minhas plantas (apanhadas nos passeios, onde cresciam à revelia) permaneciam, nos meus desenhos, cheias de “vícios representativos” sobre como uma flor “deve ser”. Foi-me sugerido que desenhasse sem olhar para o desenho (por uma colega e pelo professor). Para me libertar do que “deve ser”. E assim fiz, e não apenas a Desenho: passei a retratar-me também desse modo. De espelho em riste, mas sem olhar para o desenho. Como se antes estivesse a “libertar-me” fisicamente de uma mão que me tolhia os gestos e agora o fizesse também, psicologicamente, de uma mente que me tolhia os mesmos.
Essa “verdade” no meu rosto representado… não se limitava ao que via, mas também ao processo como o fazia. Ao risco que, apesar de não ser seguido pelos meus olhos, decide seguir por “aqui” e não por “ali” no desejo de me representar. E que essa decisão, que permanecia MINHA, resultava por isso num retrato MEU, fosse ou não aquele rosto verosímil. E que aquele retrato, que resultava por isso tão fiel, já havia sido começado muito antes, mesmo antes da decisão que conduziu àquela sala de aula.”